PALAVRA DA PRESIDENTA

Para nós, o outubro não é tão cor-de-rosa assim

Presidência do CONTER
02/10/2013
PALAVRA DA PRESIDENTA

por Valdelice Teodoro*

Ontem, dia 1º de outubro, assim como acontece todos os anos, dezenas de prédios públicos anoiteceram com as fachadas estilizadas em rosa pelo Brasil afora. No Rio de Janeiro, em SP, no meu Paraná, pelo Norte e Nordeste, a luz rosa tomou de conta. Aqui em Brasília não foi diferente. Começou pela Praça dos Três Poderes e agora alcança até a rodoviária, tudo quanto há ficou rosa à noite.

Com a presença do ministro da Saúde e tudo mais, o Congresso Nacional se iluminou de rosa também. Como se, por este mês, apenas por este mês, pudéssemos esquecer o luto que veste nosso país por conta dos desastres sociais que somos obrigados a testemunhar todos os dias do ano.

Eu elogio a atitude da classe política, não tenho nada contra as adesões. Embora o câncer de mama seja o tipo de câncer mais comum entre as mulheres, ainda faltava bastante sensibilização em relação ao assunto que, hoje em dia, está em voga, pelo menos em teoria. Até as milhares de mulheres brasileiras que não têm acesso à mamografia já conseguem saber o quanto ela é importante.

Só lamento o fato de que essas adesões não venham acompanhadas da devida atitude política. Afinal, no mês mundial de combate e prevenção ao câncer de mama, o que seria mais importante: desengavetar e discutir os projetos de lei que possibilitem a prevenção e o tratamento da doença ou pintar as paredes de rosa por 30 dias? A resposta que o povo espera me parece clara...

No Brasil, em 2010, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), aproximadamente 49 mil mulheres tiveram diagnóstico de câncer de mama. Em 2012, estima-se que mais de 52 mil mulheres tenham descoberto a doença. Dessas, mais de 12 mil morreram, pois já descobriram num estágio avançado demais. Segundo dados do DataSUS do Ministério da Saúde, a partir de 2001, o número de mulheres que vieram a óbito por causa da doença aumentou 45% em 10 anos.

Enquanto os países desenvolvidos - que investem seriamente no combate e prevenção da doença - priorizam o rastreamento precoce, desenvolvimento de vacinas e novos medicamentos, as mulheres brasileiras são submetidas a programas com graves problemas estruturais, sem aconselhamento e acompanhamento médico adequado. Resultado disso é que, hoje em dia, morrem mais mulheres de câncer de mama e colo de útero que há três décadas.

De acordo com pesquisa sobre o assunto divulgada este mês pelo periódico The Lancet, se nada for feito, as mortes por câncer de mama nas regiões de média e baixa renda vão superar os óbitos causados por complicações na gravidez e no parto dentro de 20 anos.

Importante lembrar que a saúde pública é feita de pessoas, e não somente de equipamentos. Não adianta mandar infraestrutura para o interior sem gestão e profissionais capacitados. Infelizmente, é bem isso que acontece hoje em dia e, infelizmente, decorre no rápido sucateamento e subaproveitamento de todos os investimentos financeiros que são realizados com essa finalidade.

Tenho conhecimento de grandes investimentos que aconteceram no norte do país, por exemplo, e não deram em nada, além do completo desperdício de dinheiro público. Esses orçamentos, mal administrados, estão longe de beneficiar diretamente à população.

A autossuficiência brasileira na oferta da prevenção e tratamento do câncer de mama passa pela valorização dos profissionais que atendem essas mulheres. Esse fator é primordial. Sem uma boa equipe profissional, não existe diagnóstico e nem tratamento de qualidade.      

Mais que um ato político, a adesão do governo ao Outubro Rosa deveria ser uma política pública, eficiente e plural, capaz de chegar a quem mais precisa, não só nas grandes cidades, mas, também, nas periferias e no interior.

O governo incentiva a distribuição de médicos pelas regiões pobres do país, mas não se preocupa com a infraestrutura e com uma política de promoção dos demais profissionais que compõem as equipes multiprofissionais de saúde. Lembro que são médicos, não são milagreiros. Precisam de suporte e apoio operacional para atender à população. Sem o básico, nada podem fazer. 

Parece-me incoerente que o Congresso Nacional apoie a causa e, em contrapartida, não dê a devida importância às pautas sobre o assunto que tramitam na casa com a maior morosidade do mundo. O que precisamos é de agilidade legislativa, para colocar em prática tudo o que hoje é só ideia, por falta de regulamentação e dotação orçamentária que o valha.

Todos os dias eu sou obrigada a ler e-mails, cartas e mensagens de pacientes e profissionais da saúde aflitos, com problemas graves. Uns não conseguem atendimento. Outros, se sentem sem condição de trabalhar pela sociedade. Um panorama fatalmente delicado e sem possibilidades claras de solução, a menos que a conduta dos políticos em relação à saúde pública mude.

Neste ponto, não posso deixar de traçar um paralelo. No Uruguai, em 2011, o presidente José Mujica demitiu a ministra de Desenvolvimento Social, Ana Vignoli, por ela ter permitido que cinco mendigos morressem de hipotermia nas ruas da capital Montevideo. Para o mandatário uruguaio, a clara violação de direitos humanos daqueles cinco moradores de rua foi inadmissível.

No Brasil, enquanto isso, as autoridades assistem à mortalidade de milhares de cidadãos por falta de políticas públicas eficientes e ninguém se sente responsável, ninguém chama a responsabilidade para si. Não vejo uma demissão, não vejo uma crítica social justa, sequer.

Como forma de protesto, o CONTER, neste ano, não vai aderir ao Outubro Rosa. Desejamos sorte às instituições envolvidas na campanha, mas pedimos licença, pois não nos sentimos contemplados por esses discursos demagógicos e oportunistas que, em nada, contribuem com o debate. Aderiremos ao preto, em nome dos milhares de profissionais da saúde e doentes que seguem esquecidos pelo governo, que seguem reféns de uma saúde pública que não funciona como deveria.

 

*presidenta do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER)