ENTREVISTA

Layse irradia conhecimento pelas redes sociais

Laércio Tomaz
14/06/2018
ENTREVISTA

Tecnóloga em radiologia, professora, mestre, doutoranda... atriz de rua, palhaça de hospital e youtuber: assim podemos definir a pesquisadora Layse Gama, que, antes de conquistar seu espaço, sofreu acidentes de trabalho, intoxicação, se sentia inferior, chorava de desespero e pensou em desistir várias vezes. Entretanto, apoiada pela mãe e inspirada por professores que admirava, decidiu continuar, enfrentou as adversidades e se tornou cientista. Hoje, Layse desenvolve pesquisas importantes, dá aulas para diversos cursos de graduação e se destaca nas redes sociais, com a publicação de vídeos e matérias interativas para ajudar estudantes e trabalhadores da área. Nesta entrevista, ela fala sobre a carreira e dá dicas para você se tornar um profissional multidisciplinar. Confira!

Esse lance de se tornar youtuber, como rolou?
Virei blogueira e youtuber quando precisei de um conteúdo em vídeo de radiobiologia para incluir em uma aula e não tinha disponível em lugar algum. Percebi que alguns alunos tinham mais facilidade em aprender quando estudavam com áudios. Decidi então usar a tecnologia a favor da educação e criei o instagram @radiagama para discutir casos, doenças e tecnologias. E uso o canal Radiagama, no Youtube, para oferecer o mesmo tipo de conteúdo. Tem sido uma ferramenta rápida e esclarecedora. Fico feliz com a repercussão que tem gerado nessas redes, minha vida seria mais fácil se existisse uma plataforma assim quando eu fazia faculdade.

Quando você descobriu que queria ensinar?
Minha trajetória acadêmica começa dentro de casa. Sou filha de funcionária pública da Universidade Federal do Pará, então fui muito influenciada desde criança quando circulava pelo campus aguardando minha mãe. A graduação em radiologia me permitiu conhecer pesquisadores e professores brilhantes. Dessa forma, na faculdade mesmo, fui monitora de fisiologia humana no segundo semestre. Esse foi meu primeiro contato com a docência e com o amor ao conhecimento. No último ano da faculdade, fui convidada a ser professora de um curso técnico. Achei muito válida a experiência, especialmente porque o último ano da faculdade é cheio de medos, ansiedades e dúvidas. Quis abandonar o curso no último ano, mas era o último ano e faltava pouco. Então, ainda neste mesmo ano, surgiu meu primeiro contato com a academia. Depois, fui chamada para ser professora de radioterapia na faculdade que tinha me formado, depois em uma universidade. Chegou em um momento que dava aula em todas as faculdades de radiologia de Belém. Passei a dar aulas, oficinas e palestras em outros cursos. Assim então virei professora também dos cursos de Odontologia, Farmácia, Biomedicina, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Também passei a ministrar aulas na pós-graduação de radioterapia e de medicina nuclear, logo depois em ressonância e tomografia.

Como é dar aulas para tantos cursos diferentes, você se desdobra em quantos personagens para lecionar?
Eu fiz teatro, né? (risos). Uma vez eu li “seja o professor que vc gostaria de ter tido” e isso mudou minha vida dentro e fora da sala de aula. Para cursos e matérias diferentes, sempre busco voltar o conteúdo para a prática e vivência daquele aluno naquele curso, isso faz toda a diferença. Eu acredito na educação baseada em troca, não sou odontóloga ou fisioterapeuta, mas posso direcionar ao máximo as orientações e informações para que aquele aluno seja um comigo no processo de educação, identifcando as práticas da profissão que ele escolheu e aplicando isso em sala de aula. Tem dado certo.

Então, do ensino, você seguiu para a pesquisa científica?
Tive uma professora como orientadora de TCC. Juntas, elaboramos o projeto “Perfil de distribuição dos achados radiológicos segundo a classificação BI-RADS no Hospital de Clínicas Gaspar Vianna”. Foi um estudo retrospectivo, avaliando todos os laudos mamográficos das pacientes de janeiro a junho de 2009. Foi um trabalho simples, mas cheio de descobertas, desde a elaboração de um projeto, submissão e aceite. Foi assim que eu percebi que queria ser pesquisadora.

Você quis e fez, foi fácil assim?
Decidi fazer mestrado na federal, sem grandes expectativas de aprovação. Estudei, estudei muito para fazer aquela prova, de manhã, de tarde e de noite. Fui fazer a prova e ouvi de uma moça na sala “já faço essa prova há cinco anos, não tenho muita expectativa”. Nem eu tinha mais. Eu não tinha feito graduação na federal, não conhecia nenhum orientador e era a primeira vez que ia fazer uma prova de mestrado. Foi horrível quando saí da prova, realmente achei que tinha sido reprovada. E Passei. Iniciei um trabalho completamente diferente do que a minha graduação demandava, pesquisa experimental, em um laboratório de pesquisa, com equipamentos que eu nunca tinha visto na vida. Não sabia como usar uma centrífuga, um pHgâmetro, es-pec-tro-fo-tô-me-tro era algo impossível de falar, imagine manipular. Tive aulas de técnicas laboratoriais, bioestatística, biologia celular e um universo novo. Foi pesado.

Que trabalho você desenvolveu no mestrado?
Um projeto que envolvia Malária e Castanha-do-Pará e que me atriubuiu o título de mestre em neurociências e biologia celular. Saiu até na televisão, olha só: https://youtu.be/jP8srGZ1GuE

Conte mais, como foi esse projeto que envolvia malária e castanha-do-pará? A castanha tem radioatividade, né? Como é esse negócio de algumas frutas serem radioativas? Existe risco?
O projeto castanha e malária surgiu a partir de uma parceria entre minhas orientadoras. Foi um trabalho experimental com camundongos Balb-c, onde conferimos, principalmente, a resposta hepática envolvida na infecção com o Plasmodium berghei. Algumas frutas apresentam quantidades de radiações, sim. A castanha, por exemplo. Como a Castanheira, a árvore, tem raízes muito profundas, existe uma absorção de níveis de Rádio no solo. Além da castanha, a banana também apresenta níveis de radiação. As duas são absolutamente seguras para consumo, além de deliciosas.

Aí veio o doutorado...
Sempre quis continuar a carreira acadêmica. Então o doutorado sempre foi o complemento de tudo. Iniciei um trabalho que envolvia estudar hepatite e frutas, mas não estava preparada para continuar. Mergulhei em um projeto novo que envolvia arte e política nos processos de promoção e restauração da saúde. Virei atriz de rua e palhaça de hospital. Assim, conheci a linguagem, me reconheci como humana, amadureci emocional e espiritualmente e me preparei para iniciar novos ciclos. Iniciei o doutorado em oncologia, ainda devagar, mas escrevo agora orgulhosamente da sala de alunos da USP. Pesquiso no setor de radioterapia, especialmente sobre braquiterapia. É novo, provocativo e desafiador. Espero que, por algum momento, quando pensar em desistir, leia isso aqui e tenha ânimo para continuar.

Você diz que sofreu acidentes de trabalho, intoxicação e senso de inferioridade. Como superou essas experiências negativas?
Encontrei forças para superar as dificuldades acadêmicas quando percebi que as pessoas, especialmente as que tinham mais experiência que eu, achavam que eu não conseguiria. Então estudei, estudei assuntos que não eram da minha área, me dediquei completamente ao mestrado. E, no final, ouvi das mesmas pessoas que eu era uma referência de superação.

Ser atriz de rua e palhaça de hospital te ajudou a amadurecer espiritualmente, como assim?
O teatro e a filosofia surgiram como um refúgio da vida corrida que eu levava. Eu achava que era uma atividade lúdica e então percebi a potência que a arte tinha em dar voz a população em situação de rua ou em vulnerabilidade. Estive envolvida nas atividades do Consultório na Rua do Ver-o-Peso em Belém, nas atividades da saúde mental, palhaçoterapia pediátrica, grupos de estudo e ocupação de espaços públicos com intervenções artísticas. Queríamos oferecer a assistência e suporte a eles, mas foram eles que salvaram as nossas vidas. Me tornei uma pessoa melhor, uma professora melhor, amadureci ética, moral e pessoalmente. Ainda continuo o ciclo de aprendizado em São Paulo, num outro contexto, não menos importante, mas bem diferente.

O que você recomenda para quem quer seguir carreira acadêmica e produzir conhecimento científico?
Ame o conhecimento! A informação transforma tudo, é a maior arma de empoderamento na sociedade, a maior estratégia de mudança de uma realidade. Aproveite seus professores, troque com eles, sugue o melhor deles e use isso pra fazer a vida de todos melhor. Atualize sua leitura sempre, seja ela técnica ou informal. Leia artigos, assista aulas, busque informações e sempre questione. Quando tomamos domínio sobre a literatura, conseguimos discutir e elaborar perguntas científicas que são o nascimento de uma Pesquisa. Não desistam de aprender e produzir. Pode ser muito cansativo, mas vale a pena.

Você se sente segura no ambiente de trabalho?
A segurança, quando tratamos de mulheres, é uma questão relativa. Já fui assediada por colegas de trabalho e até mesmo chefes. Já fui ameaçada em sala de aula por um aluno e atribuo os dois eventos à questão patriarcal que envolve a sociedade em todos os setores. Em relação à equipamentos, aí segurança existe. Na radioterapia, os sistemas de regulação e controle são eficazes e garantem completa blindagem à todos envolvidos. Hoje os avanços tecnológicos de estruturas tem garantido grande bloqueio dos feixes.

É seguro para as mulheres que querem ser mamães trabalhar na área da radiologia?
Sim. É seguro que mulheres trabalhem na área técnica e fundamental que as mulheres consigam garantir seus espaços na radiologia. Seguro para as que tem filho, para as que não querem e para as que querem ter! Ainda existem setores que não contratam mulheres por conta de licença maternidade. Essa realidade precisa ser trabalhada, uma vez que existem muitas mulheres competentes que são grandes mães e profissionais fenomenais.

O que o profissional precisa saber sobre proteção radiológica para trabalhar seguro?
A proteção radiológica está incluída em todos os setores da radiologia. Conhecer os parâmetros técnicos ajuda muito quando há exposição. Conhecer os tipos de radiação e os efeitos que ela provoca no sistema biológico é a melhor estratégia de conscientização e de trabalho seguro.

O que é radiação ionizante? Como você explicaria esse fenômeno para uma pessoa que não é da área?
Para que as pessoas entendam a radiação ionizante, é importante elas entenderem sobre a radiação geral. Radiação é um termo bem amplo, está associada ao ato de irradiar, de emitir uma quantidade de energia em um receptor. Por exemplo, o sol emite feixes de radiação na terra (é a radiação ultravioleta - UVA, UVB e UVC), ela atinge nosso corpo, provoca queimaduras, mas essa radiação não é enérgica suficiente para arrancar elétrons dos átomos que compõem nosso corpo, por exemplo. Diferentemente, a radiação ionizante, por ser bem pequena e energética, tem a capacidade de interagir com elementos de tamanho reduzido, como células e átomos, alcançando os elétrons e alterando sua estrutura. A radiação ionizante tem a capacidade de provocar ionização a partir de transferência dessa energia, provocando formação de íons.

Por que a radiação oferece risco à vida?
Todas as radiações apresentam perigo potencial. O sol emite uma radiação não ionizante, ela é capaz de induzir ao câncer. As radiações ionizantes são muito mais perigosas, suas interações podem provocar queimaduras leves e até mesmo alteração do DNA, induzindo a uma mutação preditora de um quadro de câncer.

Como ocorrem os efeitos biológicos das radiações ionizantes?
As radiações ionizantes possuem a capacidade de interagir com estruturas minúsculas (membrana plasmática, DNA, proteínas, água). Os efeitos biológicos acontecem quando acontece o fenômeno de ionização dessas estruturas. A água, por exemplo, pode ser ionizada pela radiação e formar elementos extremamente reativos. Esses eleitos formados, por sua vez, provocam lesões em cadeia, podendo inclusive iniciar alterações mutagênicas a nível de câncer. Tudo inicia pelo fenômeno de ionização.

Você conhece algum caso de pessoas que tiveram problemas de saúde em decorrência da exposição radiológica?
Sim. Pessoas que finalizaram tratamentos de radioterapia, muito frequentemente, apresentam sequelas em decorrência do feixe de radiação. Pacientes de cabeça e pescoço, quando tratados, podem sofrer atrofias das células das glândula salivares e passam a desenvolver um quadro de ressecamento crônico da cavidade ora, chamada de xerostomia.

É seguro fazer exames radiológicos?
Sim. É seguro fazer exames radiológicos quando existe solicitação adequada deles. Seguro para todas as categorias, pois a quantidade de radiação para as análises de rotina não são suficientes para provocar lesão biológica. Entretanto, cuidados especiais devem ser dados a irradiação de crianças e a regiões importantes, como as gônadas.

Que precauções o profissional deve ter durante a rotina de trabalho?
Prudência, reciclagem de conhecimento e segurança sempre. Agir conforme os princípios de proteção e ética, garantindo segurança para si, à sociedade e se aperfeiçoando como profissional.

Que precauções o paciente deve ter durante o exame?
O paciente deve cumprir religiosamente com as orientações dadas pelos profissionais. Confiar na pessoa que está realizando seu exame é fundamental para que haja qualidade no procedimento, diagnóstico ou terapêutico, que estará sendo realizado.

O tratamento contra o câncer tem muitos gargalos, pessoas morrem sem tratamento, como resolver?
A questão da saúde pública no Brasil é uma demanda gravíssima. Especialmente porque as pessoas que morrem sem tratamento são, principalmente, as que não podem pagar por um serviço particular de saúde. O câncer no colo do útero, por exemplo, leva um período longo para se instalar e, ainda assim, muitas mulheres morrem por conta da doença. Se a política de prevenção fosse eficaz, esses casos não aconteceriam nessa proporção. A saúde não se trata apenas de um bem-estar físico. Logo, políticas de conscientização, vacinação acessível às mulheres, estratégias de reforço da sua identidade (muitas mulheres têm vergonha de relatar desconfortos ao médico), além de um sistema de tratamento eficaz precisam passar por reavaliações para garantir saúde a todos.

O que você acha do Programa Nacional de Expansão da Radioterapia, vai resolver o problema do atendimento oncológico no país?
O câncer é caro. Existe um desgaste abrangente dos pacientes e do Estado. A cura dessa doença é completamente dependente dos serviços de tratamento, sendo fundamental criar estratégias adequadas de prevenção, controle e tratamento da doença. Por isso, os programas de expansão precisam ser solidificados, de forma a garantir a todos, assistência de qualidade e promoção da saúde.

Ouvimos dizer que o encolhimento da economia tem prejudicado os investimentos públicos em ciência. Como está isso em sua área de atuação?
Fazer ciência é um ato de resistência dentro da atual organização político-econômica do Brasil. Todos os setores de ciência e tecnologia tem sofrido com as medidas inconsequentes do governo. Existem pesquisadores sem financiamento para compra de equipamentos, reagentes, aprovação de projetos e, numa escala grande, alunos de pós-graduação brilhantes sem bolsas ou sem qualquer assistência depois da finalização de seus cursos. De nada adianta um exército de doutores sem assistência para produção. Esse déficit está em todos os setores de pesquisa.

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Para conhecer o trabalho da pesquisadora Layse Gama, acesse:

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