AEROPORTOS DA INSEGURANÇA

Preocupado com o exercício ilegal da profissão nos aeroportos, CONTER questiona argumentos da Infraero na justiça em SP

Assessoria de Imprensa CONTER
03/09/2013
AEROPORTOS DA INSEGURANÇA

O Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER) pediu habilitação à Justiça Federal de São Paulo para se manifestar nos autos do processo movido pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) contra o Conselho Regional de Técnicos em Radiologia da 5ª Região (CRTR/SP), que autuou funcionários da empresa por exercício ilegal das técnicas radiológicas nos serviços de inspeção de bagagens e passageiros do Aeroporto de Guarulhos.

Na ação, a Infraero pede indenização por danos morais e o cancelamento dos autos de infração por exercício ilegal da profissão, sob a justificativa de que o Sistema CONTER/CRTRs não tem legitimidade para fiscalizar o emprego dos raios X nos aeroportos. Contudo, a autarquia de fiscalização rebate o argumento e reafirma que somente o conselho tem competência de polícia administrativa para realizar a supervisão dos serviços de Radiologia, independente da área em que a tecnologia seja empregada.

Em sua manifestação, o CONTER critica o laudo pericial no qual a ANAC se baseou para editar as normas que norteiam a Infraero no que diz respeito ao emprego das radiações ionizantes nos terminais aeroviários, ao passo que a análise técnica não leva em conta o marco regulatório em vigor e as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.

Para acompanhar o andamento do processo, clique aqui e digite o número: 00231539020114036100

O problema

Os funcionários da Infraero autuados pelo CRTR/SP são denominados Agentes de Proteção da Aviação Civil (APACs). Com base na Resolução ANAC n.º 63/2008, eles são autorizados pela Infraero a operar escâneres de inspeção emissores de radiação ionizante após a realização de um curso com carga horária de 28 horas/aula e sem a devida habilitação legal, o que configura exercício ilegal das técnicas radiológicas.

Para o CONTER, é impossível aprender a ler radiografias ou, muito menos, assimilar conceitos de radioproteção em um curso tão breve. Portanto, não é exagero afirmar que a inspeção de bagagens e passageiros, hoje em dia, é completamente ineficiente, conforme mostra a reportagem do Fantástico publicada em 2011.

Conjunto normativo

A presidenta do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER), Valdelice Teodoro, assevera que a resolução da ANAC usada pela Infraero para disciplinar a formação dos profissionais responsáveis pela inspeção de segurança nos aeroportos não atende aos requisitos mínimos da legislação em vigor, em especial, aos preceitos da Leis n.º 7.394/85 e 1.234/50, do Decreto n.º 92.790/86, da Convenção OIT n.º 115, bem como os dispositivos da Portaria ANVISA n.º 453/98 que dizem respeito à proteção radiológica.

Os requisitos básicos (Art. 29 da Res. ANAC n.º 63/08) para a contratação de APACs considerados capacitados para operar os escâneres de inspeção nos aeroportos são vagos. Não dizem nada sólido sobre matérias específicas, apenas faz menção a um curso de currículo duvidoso e uma série de características subjetivas, como boa audição, olfato apurado e visão sem deficiência.

É sim

Diferente do que afirma a Infraero ao Ministério Público Federal (MPF) nos autos do Inquérito Civil n.º 1.16.000.000094/2011-62, as atividades de inspeção de segurança que a empresa realiza nos aeroportos brasileiros configuram, sim, atividade privativa dos profissionais das técnicas radiológicas. Esta interpretação é evidente na leitura da legislação federal que regula a matéria em todo o território nacional. Por suposto, é razoável admitir que situações como essas acontecem, justamente, quando uma empresa pública federal do porte da Infraero adota normas de uma agência reguladora como a ANAC que desabonam um marco regulatório em vigor há 28 anos, sobre uma profissão reconhecida desde 1950.

Vale pontuar que a criação da Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC), em 2005, não derroga as prerrogativas de polícia administrativas conferidas ao CONTER pela Lei n.º 7.394/85 e pelo Decreto n.º 92.790/86. Portanto, se há emprego de radiação ionizante nos aeroportos brasileiros, o CONTER e seus respectivos Conselhos Regionais de Técnicos em Radiologia (CRTRs) podem e devem fiscalizar a sua aplicação.

“Não se alegue que novas normas ao pálio de falsa gestão administrativa derrogam a lei em plena vigência, pois mesmo com o advento da Lei Federal nº 8.112, de 1990 e suas especificidades, é certa a temática de que lei nova não revoga ou derroga a lei anterior, salvo quando expressamente o declare, bem como a lei nova ou especial não exclui os direitos já existentes”, pondera doutor Antônio Cesar.

De acordo com a Resolução CONTER N.º 03/2012, publicada no DOU de 5 de junho de 2012, com base na Lei 7.394/85, que regula as atribuições dos profissionais que atuam na área de radiologia industrial, inspeção e salvaguardas, o Sistema CONTER/CRTRs é responsável por fiscalizar a atuação profissional das técnicas radiológicas, não só em hospitais e clínicas, mas, também, em todos os estabelecimentos de outra natureza, como portos e aeroportos.

Mesmo comprovada a legitimidade do CONTER, atualmente, a autarquia é impedida de fiscalizar o exercício profissional das técnicas radiológicas nos aeroportos brasileiros, pois os profissionais que operam os equipamentos de inspeção de bagagens e passageiros não são Técnicos nem Tecnólogos em Radiologia, ou seja, não são profissionais inscritos e habilitados pela autarquia federal que normatiza a profissão.

Hoje em dia, pode-se considerar que todos os aeroportos brasileiros possuem equipamentos emissores de radiação ionizante funcionando sem qualquer supervisão competente do estado. “O CONTER não pode abrir mão do direito de fiscalizar. Qualquer impedimento dessa natureza é uma afronta ao interesse público e deve ser combatida com todas as forças dos estado. A instituição só poderá ficar tranquila quando puder entrar nos terminais aeroviários e acompanhar o que acontece lá dentro”, considera Valdelice Teodoro.

Contraditório

A execução das técnicas radiológicas por pessoas sem competência nos aeroportos brasileiros, além de representar um risco à segurança nacional, incorre em atentado flagrante contra as leis e normas de segurança que disciplinam a área no Brasil. O CONTER já tentou alertar as autoridades competentes, mas a insistência da Infraero em ignorar a necessidade de uma qualificação profissional efetiva e a habilitação legal dos operadores dos scanners de inspeção resulta em má prestação do serviço e constitui riscos desnecessários à vida dos Indivíduos Ocupacionalmente Expostos (IOEs) e passageiros.

Segundo a presidenta do CONTER Valdelice Teodoro, existe a necessidade de tirar essa discussão do campo meramente político e discutir o assunto do ponto de vista técnico e científico. “Não aceitamos o laudo pericial que existe hoje, pois ele diz que os operadores expostos à radiação não correm risco, e eles correm. Portanto, sugerimos a realização de um estudo sério e imparcial. Inclusive, nos dispomos a ajudar a financiá-lo”, destaca.

Tem risco ou não?

A tese de que a radiação ionizante de baixa intensidade não é nociva à saúde humana já foi derrubada por diversos artigos científicos. É consenso no meio acadêmico que a exposição à radiação sem um rigoroso controle das doses absorvidas provoca alterações do material genético das células e pode causar problemas de saúde, como câncer, anemia, pneumonia, falência do sistema imunológico, problemas na pele, entre outras doenças não menos graves, que podem induzir ao infarto ou derrame.

Em resposta ao Ministério Público Federal (MPF), nos autos do Inquérito Civil n.º 1.16.000.000094/2011-62, a Infraero afirma que os scanners de inspeção são seguros e não representam risco à saúde por serem dotados de uma cavidade interna, blindada e protegida.

O CONTER refuta o argumento, pois não existe nenhum equipamento de raios X sequer que tenha a ampola geradora da radiação ionizante exposta. Todas são, de fato, internas. Todavia, não são totalmente blindadas e, muito menos, “protegidas”. O fato de a fonte emissora de radiação ficar dentro do equipamento não evita a dispersão dos raios X que são emitidos, é o que se chama de radiação secundária.

Em resumo, isso significa dizer que quando um feixe de raios X é acionado e entra em contato com a superfície a que foi direcionado, embora seja colimado, há o espalhamento de radiação ionizante no ambiente. De forma isolada, isso não representa risco, pois é considerada uma radiação de baixa intensidade. Todavia, os raios X possuem efeito acumulativo e estocástico e, em médio e longo prazo, os APACs podem, sim, desenvolver problemas de saúde relacionados às doses excessivas de radiação que receberam ao longo da vida profissional. 

Como os APACs não usam qualquer um dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) recomendados na Portaria ANVISA 453/98, seus corpos estão diretamente expostos ao espalhamento da radiação ionizante. Se o APAC ficar exposto a esses equipamentos mais que o recomendado (Segundo o Artigo 14 da Lei n.º 7.394/85, 24 horas semanais, no máximo) e sem nenhum recurso de proteção, o trabalhador corre o risco, sim, de desenvolver doenças ocupacionais.

“Enfaticamente, asseguro que os trabalhadores que ficam sentados, laborando 8 horas por dia, com um scanner de inspeção no meio das pernas, fazendo leitura de radiografias sem usar os EPIs, correm risco mais evidente de desenvolver doenças. Afinal, o que a Infraero denomina como “Área Livre” é, na verdade, um ambiente radioativo, onde se deveriam levar em conta todos os procedimentos de radioproteção recomendados na Portaria ANVISA n.º 453/98”, alega Valdelice Teodoro.

Hemograma

“A Infraero poderia, no mínimo, realizar um hemograma completo dos APACs expostos à radiação, com a contagem das plaquetas, a cada seis meses. Desta forma, seria possível, inclusive, constatar se estão ocorrendo problemas imediatos, o que pode ser perfeitamente possível, diante da forma como o assunto é tratado com indiferença pelas autoridades responsáveis”, considera a presidenta Valdelice Teodoro.

Não obstante, em audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 627.189, ficou claro que até a radiação não ionizante, aquelas emitidas pelas linhas de transmissão de energia, podem causar danos à saúde. Quem dirá a radiação ionizante, que é comprovadamente insalubre.

Indústria de cursinhos

Essa situação revela um problema mais profundo, pois, assim como na área da Radiologia Industrial, fomenta uma indústria de cursinhos que não capacitam verdadeiramente a ninguém e atendem, tão somente, ao interesse lucrativo de donos de escolas. O que mais tem na internet é oferta de cursinho para APACs. A procedência da maioria deles é duvidável.

“Entendemos que, em um curso livre e tão breve, não é possível aprender a ler imagens radiográficas, nem aprender os conceitos necessários de biossegurança que permitam ao trabalhador proteger sua saúde e a dos clientes. Estima-se que mais de três mil pessoas sem qualificação adequada trabalhem nessas condições. Inocentemente, elas colocam em risco a saúde de todos os envolvidos nesses procedimentos de inspeção por mera falta de conhecimento técnico”, enfatiza a presidenta do CONTER.

Mão de obra disponível

Não é objetivo do CONTER causar o desemprego dos APACs que operam equipamentos de raios X nos aeroportos. O que se espera, em nome do interesse público, é que eles sejam devidamente qualificados e habilitados na forma da lei.

De toda forma, atualmente, o Brasil possui mais de 91 mil profissionais das técnicas radiológicas formados e legalmente habilitados. Em todas as capitais e regiões metropolitanas, há disponibilidade de mão-de-obra qualificada. Portanto, a situação atual é injustificável.

Raios-X ou Ch?

Em todas as oportunidades que teve de debater o assunto com o CONTER até agora, a Infraero buscou desqualificar a autarquia e enfatizar a tese de que a empresa segue normas claras e eficientes sobre o tema, que foram elaboradas com base em estudos sérios e aprofundados. 

Inclusive, a Infraero alegou, em juízo, que a fiscalização da atividade nos aeroportos configurou constrangimento aos seus funcionários.

Lamentavelmente, é importante observar que, em todos os seus textos, tanto a Infraero quanto a ANAC escrevem raios X com hífen (raios-x), numa clara expressão de que dentro das duas instituições não existe material humano verdadeiramente dedicado ao tema.

O detalhe não parece importante, mas é. “Se a própria terminologia da nomenclatura não foi verificada, o que dizer do conceito científico em si daqueles documentos? Eu quero discutir o assunto sob a ótica científica e convido a Infraero a consultarmos, juntos, os verdadeiros especialistas que podem nos dar respostas concretas sobre o assunto”, finaliza Valdelice Teodoro.