VOLUNTÁRIOS PELO AVANÇO DA MEDICINA

Um medicamento ou tratamento só entra no mercado após testes em humanos. Sem a ajuda dessas pessoas, dificilmente surgiriam substâncias inovadoras no combate às doenças

Polliana Milan/Gazeta do Povo
07/07/2011
VOLUNTÁRIOS PELO AVANÇO DA MEDICINA

Um medicamento ou tratamento só entra no mercado após testes em humanos. Sem a ajuda dessas pessoas, dificilmente surgiriam substâncias inovadoras no combate às doenças

No Brasil, estima-se que mil pessoas participem de pesquisas científicas com novas drogas e tratamentos. Sem haver um cadastro nacional de voluntários e com a impossibilidade de receberem pelos testes, os “sujeitos de pesquisa”, como são chamados, acabam se limitando àqueles que buscam nas pesquisas a esperança para a cura de suas doenças.

Nos países onde o pagamento ao voluntário é permitido (como Estados Unidos e parte da Europa), além da esperança de cura, há pessoas fazendo da pesquisa com drogas um meio “profissional” de ganhar dinheiro. Seja qual for o caso, médicos são unânimes em dizer que, sem este tipo de teste, a medicina não sobreviveria. “É a única maneira de ter experiência com novos medicamentos e melhorar o padrão de alguns deles”, afirma o chefe da unidade de hipertensão arterial do Hospital de Clínicas da Univer­sidade de São Paulo, Decio Mion Júnior.

Uma pesquisa aplicada no Brasil, normalmente conduzida por um laboratório farmacêutico internacional, ocorre também em pelo menos outros 20 países. Há casos, porém, em que o país faz o experimento sozinho.

Há no Brasil 2,3 mil estudos clínicos envolvendo testes em humanos, principalmente nas áreas de oncologia, cardiologia, reumatologia e infectologia. “Essas pessoas fazem os testes por altruísmo, em benefício ao próximo. Elas conhecem os riscos da pesquisa, mas mesmo assim estão dispostas a ajudar a medicina, por isso são especiais” explica Mion Júnior. A grande crítica é que, no Brasil, assim como na maioria dos outros países, não há um cadastro oficial dos voluntários, ou seja, as pessoas colaboram mas não se sabe, em âmbito nacional (e nem mundial), quem são elas, se ficaram bem depois dos testes e, ainda, se ficarão sem ingerir novas drogas por um determinado período. “Cabe ao médico indagar se o paciente está mentindo ou omitindo a informação. Usar anfetamina, por exemplo, pode confundir a pesquisa, por isso dependemos da honestidade do paciente”, explica o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farma­cêutica, Marcelo Lima.

 

Registro

Já houve a tentativa de se instalar uma plataforma de controle dos voluntários, mas ainda sem sucesso. Por trás desse desconhecimento de quem são as cobaias, está o risco de as pessoas se candidatarem à pesquisa com frequência apenas porque, doentes, têm acesso com mais facilidade ao sistema público de saúde. “O benefício ao paciente é que se o medicamento for comprovadamente benéfico, os laboratórios deverão fornecê-lo até que esse seja comercializado”, explica o bioquímico Sérgio Surugi de Siqueira, coordenador-adjunto do Comitê de Ética em pesquisa da Pontifícia Universi­dade Católica do Paraná (PUCPR).

Quando o medicamento vai para as prateleiras das farmácias, deixa de ser fornecido gratuitamente aos voluntários. “É uma grande discussão, assim como a questão do pagamento ao sujeito de pesquisa.

“Seria interessante haver uma retribuição, até porque as pesquisas de fase 1 [que precisam de voluntários sadios], têm baixa procura porque poucos estão dispostos a receber um medicamento e ficar internados por uma semana para ver se ele é tóxico. Mas se o Brasil for aprovar o pagamento, é preciso criar mecanismos para evitar que o voluntário vire profissional”, explica Siqueira. E a única maneira de controlar a participação dos indivíduos nas pesquisas é com um registro de dados internacionais e confiáveis. “A ética também pode ser questionada nesse cadastro. Todos os médicos poderão ter acesso às condições de saúde de todos os doentes? Como estas pessoas se sentirão?”, questiona Lima.

Para a presidente da Socie­dade Brasileira de Pesquisa Clínica, Greyce Lousana, a proibição do pagamento é utopia. “Hoje temos laboratórios que dão R$ 1,5 mil a pacientes que participam de pesquisas em bioequivalência [medicamentos genéricos]. Elas ganham dinheiro, mas isso entra como ressarcimento. A grande questão é que isso precisa ser discutido e melhor regulamentado no país”, afirma.

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), vinculada ao Ministério da Saúde, por e-mail afirmou que não permite o pagamento a cobaias “porque o país tem uma população vulnerável e em situação de extrema pobreza”. Mas admitiu: são frequentes os registros de reações adversas, pois se tratam de drogas ainda em desenvolvimento e, por isso, alguns estudos são interrompidos.

 

Sentindo na pele

No Hospital Antonio Pedro, da Universidade Federal Flumi­nense, existem 40 crianças que participam atualmente de uma pesquisa. Uma parte delas recebe corticoide e outra ganha placebo (fármaco inerte). Os pesquisadores estão investigando se a substância ajuda a melhorar a linguagem e sociabilidade dos pacientes que têm autismo. É desse grupo que faz parte o pequeno Daniel Augusto Lopez, de 6 anos. “Não sabemos se ele recebeu placebo ou o remédio, mas ao longo do tempo ele melhorou muito”, afirma a mãe Aline de Oliveira Lopes Cintra, que irá saber se o medicamento é eficaz ou não só daqui um ano.

Mas ela está entusiasmada. “A participação foi válida, independentemente dos resultados, porque meu filho teve melhoras”, diz. Para ser voluntário, porém, é preciso ser disciplinado. Aline lembra que teve de levar seu filho para fazer exames diversas vezes e ele chegou a engordar um pouco com o uso do medicamento. Ele teve também alteração na pressão e nos resultados de alguns exames como o de colesterol e glicose. “No momento em que ele apresentou as alterações, fomos à médica e ela nos atendeu muito bem. As pesquisas sérias têm acompanhamento rigoroso e isso tranquiliza a família”, explica Aline.

A voluntária Soraya Aparecida Machado testou uma nova bolsa para diálise peritoneal, que ajuda na depuração do sangue para quem tem problemas no rim. “Não tive medo, fui convidada a fazer a pesquisa e estava confiante de que ia dar certo”, conta. Ela não sabe se a bolsa já foi comercializada, até porque parou de fazer a pesquisa porque recebeu a notícia, no meio do experimento, de que faria o transplante. Isso ocorreu há dois anos. Hoje ela está ótima e não necessita mais usar a bolsa, mas reforça que, se precisasse participar de novas pesquisas, faria. “É claro que depende da experiência e do medicamento, mas se fosse para melhorar, toparia ser voluntária de novo.”