PANDEMIA

Pesquisa da Fiocruz mostra dados de exploração e preconceito com profissionais de saúde “invisíveis”

Luana G. Silveira/ASCOM CONTER, sob a supervisão de Jônathas Oliveira
23/03/2022
PANDEMIA

Há um ano atrás, o Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER) convidou os profissionais da categoria radiológica a colaborarem com o estudo “Os trabalhadores invisíveis da saúde: condições de trabalho e saúde mental no contexto da COVID-19 no Brasil”.

Agora, em 2022, a pesquisa coordenada pela Dra. Maria Helena Machado encontra-se em fase final de análise de dados, com informações importantes para a melhora do sistema de saúde nacional como um todo.

O trabalho foca em mais de dois milhões de profissionais da saúde, de nível técnico e auxiliar, como Técnicos em Radiologia, condutores de ambulância, auxiliares de enfermagem, profissionais de manutenção, limpeza, que atuam na cozinha e administração das instalações hospitalares, e suas condições de trabalho, vida e saúde mental durante a pandemia.

O projeto colheu os dados das trabalhadoras e trabalhadores por meio de questionário online, atingindo 21.480 pessoas, de 2.395 municípios de todas as regiões do país, evidenciando que, durante esse período de mais de dois anos atuando na linha de frente do combate ao vírus, houve um aprofundamento da exploração e preconceito com esses profissionais, considerados “invisíveis”.

Veja abaixo os resultados da pesquisa, que podem ser acessados no quadro resumo disponibilizado pela Instituição (clique aqui).

Ainda sobre os dados, 70% dos entrevistados acusaram falta de apoio institucional; 53% não se sentem protegidos contra o vírus no trabalho; 50,9% admitiram excesso de trabalho e 35,5% admitem ter sofrido violência ou discriminação.

Por meio do conhecimento de aspectos como condições de trabalho, disponibilidade de equipamentos de proteção e infraestrutura, a pesquisa apoiada pelo CONTER busca saídas para o cuidado, proteção e acolhimento desses profissionais. Veja, a seguir, o nosso bate-papo com a pesquisadora Dra Maria Helena Machado, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz:

CONTER: O que motivou a iniciativa da pesquisa?

Maria Helena: A necessidade de conhecer e buscar saídas para esse contingente de trabalhadores muito importantes para o sistema de saúde e a grave invisibilidade dos mesmos em tempos de pandemia.

Importante termos claro que o que denominamos de “trabalhadores invisíveis da saúde” contempla todos aqueles com ou sem formação específica na saúde, que estão na linha de frente no combate à pandemia, auxiliando a equipe de saúde e muitas vezes prestando serviços de extrema relevância ao bom e adequado atendimento à população.

Estamos falando de algo em torno de 2 milhões de trabalhadores - em boa parte desprotegidos de cuidados, sem voz e meios de expressar a real situação de seu cotidiano no trabalho e na sua vida pessoal. São invisíveis socialmente.


CONTER: Qual a sua visão sobre os resultados da pesquisa? O que ela explicita sobre esses trabalhadores?

Maria Helena: A pesquisa mostra um cenário complexo de trabalhadores e trabalhadoras, desde a hegemônica participação da enfermagem (técnicos e auxiliares) até aqueles que tiveram destaque maior em algumas atividades, por exemplo, os maqueiros, os condutores de ambulância, o pessoal da faxina e os sepultadores. Tal fato, leva que seja necessário e oportuno a (re) conceituação do que se denomina de “trabalhadores e trabalhadoras da saúde”, ampliando e buscando maior diálogo no âmbito do setor da saúde.

Alguns resultados são importantes aqui destacar:

  • A pesquisa evidencia um quadro preocupante de precarização e de precariedade do trabalho na saúde, agravados no período pandêmico: adoção de modalidades de vínculos que prefixam a duração da vigência do trabalho, reduzem, flexibilizam ou negam direitos trabalhistas e previdenciários, submetendo-os a uma maior vulnerabilidade jurídica, econômica e social.
     
  • Em síntese, os trabalhadores “invisíveis” vivem situação de precariedade com: vínculos precários; terceirização; salários insuficientes, exigindo complemento de renda com bicos; estrutura e infraestrutura de trabalho precárias, inadequadas e impróprias; falta e/ou escassez de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e desproteção no trabalho. Vivem em um estágio de pró-cidadania profissional.


CONTER: Como a pandemia transformou o trabalho desses profissionais?

Maria Helena: Creio que os trabalhadores estão mais conscientes de seu lugar e de sua importância na área da saúde. Na pandemia, mais do que nunca, a saúde e seus trabalhadores mostraram sua essencialidade. Contudo, a pesquisa evidencia a baixa importância dada a esse grupo de profissionais pelo poder público, gestões privadas e sociedade, traduzida em descaso, desproteção no trabalho, condições precárias e salários baixos e incompatíveis com sua atuação.

A equipe de Radiologia, por exemplo, atesta essas situações acima descritas e representa bem essa invisibilidade no ambiente de trabalho. Profissionais pouco valorizados e com baixa visibilidade social. Essa situação de invisibilidade, de não reconhecimento do trabalho, traz desconfortos e afeta a saúde mental de um contingente elevado de trabalhadores. É preciso reverter essa situação.

CONTER: Para você, quais mudanças poderiam transformar essa situação para melhor?
 
Maria Helena: Muitas mudanças precisam acontecer para transformar o ambiente de trabalho na saúde. É preciso adequar as condições de trabalho desses “trabalhadores invisíveis”, tornando-as compatíveis com a atividade que eles executam, deixando de ser ambientes insalubres, desagradáveis e desconfortáveis.

A questão salarial é outro ponto de grande insatisfação entre os trabalhadores, que os obrigam, em muitos casos, a fazer uma segunda jornada de trabalho, mesmo que exaustos. A convivência entre colegas precisa ser menos hierarquizada e mais dialógica, proporcionando um ambiente de trocas de saberes e experiências.

A invisibilidade desses trabalhadores é acima de tudo, social nutrida também pela cultura organizacional de hierarquização e pouco espaço para um convívio mais harmônico. A pandemia está nos deixando lições e alertas que precisamos escutar.

Saiba mais

Confira a vídeo-entrevista de Maria Helena Machado para o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, sobre a pesquisa “Os trabalhadores Invisíveis da Saúde: Condições de Trabalho e Saúde Mental no Contexto da Covid-19 no Brasil”. Clique aqui.