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Grávida opera escâner que emite radiação ionizante no Aeroporto de Brasília

Assessoria de imprensa do CONTER
16/06/2015
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Uma grávida operava um escâner de bagagens que emite radiação ionizante no embarque internacional do Aeroporto de Brasília no dia 31 de maio de 2015, às 15h45. Tentamos fazer uma foto, mas fomos impedidos pela equipe de segurança. O nome da funcionária parecia Renata, mas não foi possível certificar e não havia sobrenome no crachá de identificação. O flagrante foi feito por um funcionário do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER), que protocolou reclamação formal na hora da constatação.

Em resposta por e-mail uma semana mais tarde, o Consórcio Inframérica Aeroportos, empresa que administra o terminal de Brasília, afirmou que “foi realizado um estudo e a radiação emitida pelos pórticos é equivalente àquela que recebemos diariamente de um aparelho televisor”.

Para qualquer pessoa que entende um pouco sobre o assunto, é claro que não existe relação entre a radiação ionizante derivada de um escâner de inspeção e as ondas eletromagnéticas emitidas por um aparelho de televisão comum. A tecnologia do Plasma e do LCD não faz uso de feixes de elétrons que poderiam causar a emissão de raios X ou mesmo de outras radiações perigosas.

Até meados da década de 1990, quando os monitores de vídeo eram dos tipos com cinescópio, podia se admitir que emitissem raios X. Mas, ainda assim, não haveria como estabelecer uma comparação, uma relação de grandezas como pretendeu fazer a Inframérica para justificar a exposição criminosa da funcionária e futura mãe.

“A resposta é mais constrangedora do que revoltante. Trabalhamos diariamente para promover a proteção radiológica no país e esbarramos nesse tipo de situação. Não há interesse, a busca é pelo menor custo possível. Um aeroporto terceirizado contratada uma empresa quarteirizada para fazer a segurança nacional e é a esse ponto que chegamos”, lamenta a presidenta do CONTER Valdelice Teodoro.

De acordo com a Norma Regulamentadora (NR) n.º 32 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e com a Portaria ANVISA n.º 453/98, assim que constatada a gravidez, a gestante ocupacionalmente exposta deve ser afastada imediatamente do contato direto com a radiação ionizante. Assim deve permanecer durante o período de lactação, para não prejudicar o desenvolvimento da criança. Essas duas normas são aplicadas à área da saúde. Entretanto, como o princípio da tecnologia adotada na medicina é o mesmo da área industrial, de salvaguardas e segurança, os regulamentos são igualmente levados em consideração. 

Não existe limite seguro para uma gestante, pois o feto é mais sensível aos efeitos biológicos da radiação ionizante que os adultos. Durante o processo de desenvolvimento dos seus órgãos internos, a criança fica muito suscetível a esses agentes externos que têm a capacidade de atravessar o corpo e provocar alteração celular. Todo cuidado é pouco.

Segundo o relatório do grupo de trabalho sobre segurança nuclear da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados:

3.3 EFEITOS DAS EXPOSIÇÃO A BAIXAS DOSES DE RADIAÇÃO

A investigação dos efeitos somáticos como, por exemplo, o surgimento de alguns tipos de câncer e leucemia, levou ao questionamento de um limiar de dose de radiação – abaixo dele não existiriam efeitos biológicos. Hoje é consenso entre especialistas que os riscos da radiação estão relacionados a um modelo linear proporcional. Isto é: não há dose de radiação tão pequena que não produza um efeito colateral no organismo humano. Quanto maior a exposição, maior é o risco dos efeitos biológicos, existindo, assim, uma relação contínua entre exposição e risco.  

 

A exposição à radiação sem um rigoroso controle das doses absorvidas pode provocar alterações do material genético das células e causar problemas de saúde, como câncer, anemia, pneumonia, falência do sistema imunológico, problemas na pele, entre outras doenças não menos graves, que podem induzir ao infarto ou derrame.

Entre os grupos de risco, o principal é o das gestantes. Uma grávida não pode ser exposta, principalmente, se estiver no primeiro trimestre da gravidez, período em que o feto tem maior nível de radiossensibilidade. Dependendo da exposição, a radiação pode perdurar em uma contagem significativa, gerando risco de efeitos biológicos para o bebê.

É a segunda vez que isso acontece. Em 23 de dezembro de 2013, duas mulheres grávidas foram flagradas operandos escâneres emissores de radiação ionizante no Aeroporto de Guarulhos. O risco só não é maior para elas do que para o próprio país, que fica exposto a entrada de pessoas sem um rigoroso controle do que transportam.

No dia 11 de julho de 2015, às 16h20, no mesmo Aeroporto de Brasília, a inspeção de bagagens do voo TAP 0058 que vinha de Portugal com mais de 300 passageiros foi feita por um cachorro. Os equipamentos de inspeção estavam todos num canto, cercados por uma faixa de isolamento em que havia escrito “desculpem o transtorno”. O transtorno a gente até desculpa. A insegurança, não.

Esse é um episódio que se repete todos os dias nos aeroportos do Brasil. 

Segurança nacional

Não é de hoje que o Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER) tenta alertar as autoridades sobre os riscos e as responsabilidades que envolvem a utilização da radiação ionizante nos aeroportos. De oficiamento a processo judicial, a autarquia já tentou de tudo para apontar as ilegalidades em curso. Entretanto, a resistência não é vencida nem pelo surgimento de doenças ocupacionais graves entre os operadores.

De acordo com o mestre em Radioproteção e Dosimetria pelo IRD/CNEN, professor Giovane Teixeira, ler radiografias e assimilar a radioproteção exigem treinamento em cadeiras paralelas à simples formação da imagem, como a física das radiações e a radiobiologia, o que não é possível a um agente de segurança sem formação específica. “Um profissional com uma formação em análise de imagens, que estudou sobre a física das radiações e, especificamente, os parâmetros de imagem convencional e digital seria capaz de uma interpretação mais eficiente nessas inspeções, reduzindo assim os riscos envolvidos e aumentando a efetividade do sistema”, garante.

Em resposta ao Ministério Público Federal (MPF), nos autos do Inquérito Civil n.º 1.16.000.000094/2011-62, a Infraero afirma que os escâneres de inspeção são seguros e não representam risco à saúde por serem dotados de uma cavidade interna, blindada e protegida.

O CONTER refuta o argumento, pois não existe nenhum equipamento de raios X sequer que tenha a ampola geradora da radiação ionizante exposta. Todas são, de fato, internas. Todavia, não são totalmente blindadas e, muito menos, “protegidas”. O fato de a fonte emissora de radiação ficar dentro do equipamento não evita a dispersão dos raios X que são emitidos, é o que se chama de radiação secundária.

Em resumo, isso significa dizer que quando um feixe de raios X é acionado e entra em contato com a superfície a que foi direcionado, embora seja colimado, há o espalhamento de radiação ionizante no ambiente. De maneira imediata, não representa risco, pois essa é considerada uma radiação de baixa intensidade. Todavia, os raios X possuem efeito acumulativo e estocástico e, em médio e longo prazo, podem resultar em efeitos biológicos.