DIRETO DE PORTUGAL

Técnicas Radiológicas: O corpo como nunca se viu

Célia Rosa/Jornal de Notícias (Portugal)
09/05/2011
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Diagnosticar um tumor, caracterizar uma fractura ou uma lesão, localizar um projéctil, dilatar uma artéria, drenar um abcesso, colher tecido para uma biopsia. As técnicas da radiologia moderna fazem isto e muito mais.

Com o aparecimento dos raios X, descobertos em Novembro de 1895 por Wilhelm Conrad Röntgem, o sonho de ver o homem por dentro sem ter de recorrer a autópsias ou cirurgias tornou-se realidade. "A ciência médica apercebeu-se imediatamente da importância da radiação X no estudo das patologias ósseas, sobretudo traumatologia, e na localização de corpos estranhos e projécteis no interior do organismo", afirma Carlos Prates, médico radiologista no IMI - Imagens Médicas Integradas.

As primeiras imagens, adianta o especialista, "só identificavam os ossos das extremidades, mas com o aparecimento de aparelhos mais potentes e de sistemas de registo das imagens de maior qualidade tornou-se possível observar os restantes segmentos do corpo - todo o esqueleto, o tórax e o abdómen. Foi também muito rapidamente que surgiram os produtos de contraste, feitos à base de substâncias radiopacas, e, a partir daí, começaram a visualizar-se os órgãos que eram invisíveis aos raios X até então".

Com os contrastes baritados nasceu a radiologia digestiva e tornou-se possível observar o esófago, o estômago e os intestinos. Com os contrastes injectáveis (nos vasos sanguíneos) passaram a ver-se as artérias e as veias e o aparelho urinário. "Importa aqui referir que a Escola Portuguesa de Angiografia teve um papel muito importante com a descoberta da angiografia cerebral, pelo professor Egas Moniz, em 1927", esclarece Carlos Prates.

Progressivamente os raios X conquistaram o mundo, invadiram os gabinetes médicos e os hospitais e tornaram-se indispensáveis para o diagnóstico médico de múltiplas doenças. Todavia, após os avanços promissores do primeiro terço do século XX, a radiologia deixou de surpreender. Mas por pouco tempo. "Entre os anos 1970 e 90, com as aplicações médicas da ecografia, da tomografia assistida por computador [TAC] e da ressonância magnética [RM], viveu-se uma verdadeira revolução", relembra Carlos Prates.

A TAC, criada em 1972, usa uma fonte de raios X e um conjunto de detectores que rodam à volta de um corpo deitado numa mesa de observação e, hoje, permite fazer exames de forma muito rápida e eficaz, com imagens precisas do corpo e dos seus diferentes órgãos. "Alguns, como o esqueleto e os pulmões, são bem identificados sem recurso a contrastes, outros beneficiam da sua administração oral ou rectal [tubo digestivo] ou endovenosa [artérias, veias, aparelho urinário e órgãos sólidos como o cérebro ou o fígado]. Entre os exames sofisticados, a TAC é o cavalo de batalha da investigação médica", afirma Carlos Prates.

As outras técnicas mais importantes da radiologia utilizam energias diferentes. Os ultra-sons, que não têm efeitos nocivos no organismo, são a base da ecografia, que começou por ser usada em estudos abdominais e em obstetrícia mas actualmente é usada no estudo directo, e em tempo real, de quase todas as regiões anatómicas. Todavia, segundo o radiologista, "há barreiras naturais ao seu uso, como o osso e o ar, que não permitem a propagação dos ultra-sons, o que impede a diferenciação entre estruturas "normais" e patológicas". Ainda assim, para Carlos Prates, "a ecografia é, juntamente com os raios X convencionais, o exame de primeira linha da investigação de imagem. É acessível, não é invasivo ou agressivo e é bastante fiável no rastreio de muitas doenças de base".

Quanto à RM, que data de 1978 e também não tem efeitos nocivos, utiliza a associação de um campo magnético muito forte e a energia electromagnética das ondas de rádio. "É usada em diagnóstico há cerca de trinta anos e fornece imagens com uma diferenciação muito superior às da ecografia e da TAC. Permite uma caracterização anatómica e patológica excepcional ao nível do sistema nervoso central e músculo-esquelético e em órgãos sólidos como o fígado e o aparelho genito-urinário". Carlos Prates adianta que a RM é reconhecidamente o método de eleição em várias doenças e especialidades (por exemplo a neurologia e a neurocirurgia, a ortopedia e a ginecologia) e nos casos que não são esclarecidos pelas técnicas de primeira linha.

O médico lembra que a evolução recente da radiologia só foi possível com um progresso paralelo da informática. "A natureza digital das imagens e sistemas de computação que conseguem tratar quantidades de dados cada vez maiores tornaram possível o estudo de centenas de imagens de alta-resolução, a realização rápida de reformatações multiplanares e toda uma panóplia de reconstruções tridimensionais, como a visão dinâmica de uma imagem virtual que navega dentro do corpo humano". Apesar deste mundo fascinante, Carlos Prates lembra que "as imagens com que os médicos fazem diagnósticos são fundamentalmente as imagens a "preto e branco", que não têm a espectacularidade das que vão publicar. Estas servem essencialmente para demonstrar, graficamente, as patologias detectadas".

A outra vertente da radiologia moderna envolve não só actos de diagnóstico mas sobretudo actuações terapêuticas e dá pelo nome de radiologia de intervenção. "Entre os actos de diagnóstico destacam-se as biopsias que hoje podem realizar-se em quase todos os órgãos e estruturas do corpo sem necessidade de recorrer à cirurgia. Imagine-se uma pequena lesão no fígado, pâncreas, pulmão ou num osso. É possível chegar à lesão e colher uma pequena porção de tecido para análise utilizando uma agulha que é guiada, com enorme precisão, através dos métodos radiológicos", informa o médico.

Quanto às intervenções terapêuticas da radiologia, Carlos Prates acrescenta que a lista das técnicas e indicações é cada vez maior: "É possível drenar abcessos, dilatar zonas de estenose [aperto] nas artérias ou, ao invés, obstruir artérias e impedir a irrigação de tumores. Ainda no campo da oncologia, a radiologia de intervenção pode actuar directamente nas lesões através de meios físicos ou químicos, combatendo-as eficazmente e de modo pouco invasivo quando não há indicação cirúrgica".

A mais recente novidade do diagnóstico médico pela imagem chama-se PET-TAC [tomografia por emissão de positrões associada à TAC] e é uma técnica de base da medicina nuclear que tem aplicações muito importantes na caracterização da doença oncológica. "É um método de imagem "funcional" pois avalia o metabolismo ou actividade bioquímica nos tecidos através da injecção por via endovenosa de um produto de contraste radioactivo que, uma vez no organismo, se fixa preferencialmente aos tecidos tumorais [além de tecidos normais, como o cérebro e os rins]".

A PET-TAC é uma técnica muito promissora», prossegue Carlos Prates. «Ao contrário da TAC, em que os raios X emitidos passam através do corpo e dão informação pelo efeito de absorção, na PET o equipamento é apenas "detector", pois pesquisa a substância radioactiva nos locais do corpo onde se fixou. Como a resolução das imagens PET é limitada, a associação da TAC possibilita a identificação mais precisa das estruturas anatómicas a que correspondem os pontos de hiperfixação da substância», esclarece o médico.

Já se percebeu que a radiologia é uma especialidade que está no centro da medicina moderna e Carlos Prates destaca o crescente impacte dos especialistas: "O radiologista deve conhecer e adequar o exame a cada doente e usar essa informação para interpretar as imagens, responsabilizando-se pelo relatório que assina. O seu conhecimento das múltiplas técnicas e das suas indicações não deve ser esquecido. Num ambiente imperioso de poupança de recursos e de eliminação de exames inadequados, a capacidade que o radiologista tem para ajudar os clínicos na selecção dos exames mais adequados a cada caso, a cada dúvida, a cada doente, é outra vertente relevante da especialidade que não deve ser desperdiçada pois reduzir custos e aumentar a eficácia é uma necessidade e um dever".