DESCOBERTA CIENTÍFICA

Células-tronco adultas podem ser chave da cura de males do fígado

Paloma Oliveto/Correio Braziliense
13/05/2011
DESCOBERTA CIENTÍFICA

Chegará um dia em que as células sadias de um paciente poderão ser transformadas em armas contra doenças que atacam o fígado ou mesmo servirão de base para a criação de um novo órgão, pronto para ser implantado. Nos laboratórios de todo o mundo, intensificam-se as pesquisas que usam células-tronco para a regeneração hepática. Na edição de hoje das revistas especializadas Nature e Science Translational Medicine, dois artigos descrevem o sucesso de experimentos do tipo realizados, respectivamente, nos Estados Unidos e na China. Embora ainda se encontrem em uma fase inicial, com testes realizados em ratos, os estudos reforçam as boas perspectivas de que, no futuro, células-tronco adultas sejam a chave do tratamento para diversos males que atingem o fígado.

Liderados por Lijian Hui, pesquisador do Instituto de Ciências Biológicas de Xangai, cientistas conseguiram um feito inédito. Eles recriaram células semelhantes às hepáticas a partir dos fibroblastos (iHep), estruturas encontradas na pele. “É um avanço muito grande. Começa a se vislumbrar o dia em que será possível fazer uma pequena biópsia na pele da pessoa e transformá-la em células do fígado. Isso significa acabar com a fila de espera de transplantes e com a rejeição”, comenta o geneticista Salmo Raskin, integrante da diretoria da Sociedade Brasileira de Genética Médica. Ele ressalta, porém, que “ratos não são humanos”, lembrando que muitas pesquisas feitas com sucesso em roedores não foram exitosas em seres humanos. Mesmo assim, o médico considera que o estudo chinês é mais um passo muito importante para as pesquisas com células-tronco.

Em entrevista ao Correio, Lijian Hui, um jovem cientista que já publicou 14 trabalhos sobre doenças hepáticas em revistas especializadas de peso, diz que o grande diferencial de seu estudo foi conseguir obter células com função semelhante às do fígado com um método menos complexo do que o utilizado no caso das células pluripotentes induzidas (iPSCs) ou embrionárias. “Células-tronco embrionárias não são geradas a partir do tecido do próprio paciente, portanto, podem causar rejeição ao serem transplantadas. Já para gerar as iPS, primeiro é preciso induzir essas células para que se transformem em fibroblastos e, depois, diferenciá-las em células hepáticas. O procedimento é mais complexo comparado à indução das iHep, que já são geradas diretamente dos fibroblastos. Além disso, no processo de indução das células iPSCs, há risco de desenvolvimento de câncer”, afirma.

 

Gene identificado

No trabalho, os pesquisadores de Xangai conseguiram identificar um gene, o P19Arf, que está relacionado à morte celular. Ao ser desativado, esse gene evitou o envelhecimento precoce das células, algo que poderá beneficiar as pesquisas sobre células-tronco como um todo. O geneticista Salmo Haskin comemora o achado, pois um dos grandes problemas encontrados por cientistas durante os trabalhos com esse tipo de estrutura é justamente a morte dos tecidos. “Quando começaram os estudos com iPSCs, foi um boom. Mas, com o tempo, os pesquisadores começaram a encontrar obstáculos. Um deles é que as células envelheciam rapidamente e morriam rapidamente”, relata. “Eles (a equipe de Hui) identificaram um dos motivos por que isso acontece, que é o P19Arf. Esse estudo, além de ser um grande avanço para tratar das doenças hepáticas, tem uma metodologia que pode ser copiada por qualquer um que pesquisa células-tronco.”

O estudo de Lijian Hui mostrou que, além de não provocar tumores nem morte celular, a técnica restaurou os tecidos danificados e as funções hepáticas. As novas células conseguiram metabolizar diversas substâncias importantes para o funcionamento do fígado, embora um composto específico, o bufuralo, não tenha obtido o mesmo sucesso. Hui conta que suas descobertas poderão ser úteis para diversas aplicações. “As células iHep têm o potencial para, in vitro, analisarmos a toxicidade de novos medicamentos. Além disso, como células hepáticas funcionais, poderão ser usadas para a criação de fígados artificiais para manter em funcionamento o órgão de pacientes em estágio muito avançado. Uma terceira proposta é que as iHep sejam utilizadas em transplantes tanto para pacientes com falência hepática e doenças metabólicas relacionadas ao fígado”, enumera.

Mas, cauteloso, diz que não se pode esperar uma aplicação da técnica em humanos tão cedo. Primeiramente, os cientistas vão tentar gerar as iHep a partir de fibroblastos humanos. “Já quanto aos ensaios clínicos, é algo difícil de estimar. Mesmo de um ponto de vista otimista, ainda há um longo caminho antes de podermos começar os testes”, reconhece.

 

Feito inédito

Já o artigo publicado na Science Translational Medicine trabalhou com as células pluripotentes induzidas. Os pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Johns Hopkins, dos Estados Unidos, conseguiram regenerar os tecidos doentes dos fígados de ratos com falência hepática. De acordo com os cientistas, muitos estudos com iPSCs já foram realizados na área da hepatologia usando amostras in vitro, mas essa é a primeira vez que se comprovou a capacidade funcional e regenerativa em tecidos vivos. Os cientistas retiraram amostras da pele e do sangue de seres humanos e as moldaram para que se transformassem em células-tronco. Então, injetaram o material no fígado de roedores com cirrose hepática. Aqueles que não receberam o material morreram. Já o primeiro grupo se regenerou.

Em entrevista ao site da Johns Hopkins, o principal autor, Yoon-Young Jang, professor de oncologia, afirmou que a técnica é endereçada a pacientes cirróticos, uma condição que leva à morte dos tecidos do órgão. Ele também contou que mais estudos precisam ser feitos antes que os estudos clínicos comecem. Uma das preocupações da equipe é justamente o fato de as iPSCs formarem tumores, embora durante o período de testes, sete meses (o equivalente a 30 anos na vida de um adulto), nenhum câncer tenha se desenvolvido.

 

Células-tronco regeneram tecidos do pulmão

Pesquisadores americanos descobriram células-tronco pulmonares que têm um papel crucial na regeneração dos tecidos do pulmão, revela nesta quarta-feira a última edição do New England Journal of Medicine.

Segundo o Dr. Piero Anversa, principal autor do estudo e diretor do Centro de Medicina Regenerativa do Hospital Brigham and Women, em Boston (Massachusetts), a pesquisa revelou pela primera vez uma célula-tronco pulmonar que tem potencial de oferecer aos que sofrem de enfermindades crônicas do pulmão uma opção de tratamento totalmente nova, regenerando e reparando as partes danificadas.

"Estas células pulmonares são capazes de regenerar-se e de formar estruturas biológicas múltiplas do pulmão, como brônquios, alvéolos e vasos", explicou o médico.

Segundo Joseph Loscalzo, médico do hospital Brigham and Women e co-autor do estudo, estas são as primeiras etapas essenciais para se desenvolver tratamentos clínicos para quem sofre de doenças pulmonares contra as quais não existe nenhum tratamento".

O trabalho, financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, destaca que estudos prévios já mostravam que os cientistas eram capazes de criar células usando células-tronco embrionárias, mas essa célula-tronco foi isolada usando amostras cirúrgicas do tecido de um pulmão adulto.

De acordo com Loscalzo, "é preciso fazer pesquisas mais avançadas, mas estamos empolgados com o impacto que essa descoberta pode ter em nossa capacidade de tratamento".

Terapias celulares em doenças pulmonares têm sido estudadas há tempos porque o pulmão é um órgão extremamente complexo, com uma grande variedade de tipos de células que podem ser renovadas em diferentes níveis.

Doenças pulmonares são a terceira maior causa de mortes nos Estados Unidos, após ataques do coração e câncer, de acordo com o NIH.