#08 NOSSA HISTÓRIA

Índio vendeu sucata para ir a Brasília de fusca 68 vezes defender a regulamentação da profissão de técnico em Radiologia

Assessoria de imprensa do CONTER
06/11/2014
#08 NOSSA HISTÓRIA

A história das técnicas radiológicas no Brasil é uma verdadeira epopeia, cheia de episódios marcantes e personagens inesquecíveis. Um dos capítulos mais interessantes da jornada, sem dúvidas, é a regulamentação da profissão de técnico em Radiologia, que aconteceu depois de onze anos de luta.

Em 1974, o deputado Gomes do Amaral apresentou o primeiro projeto de lei (PL n.º 317/1975, páginas 3.472 a 74 do Diário Oficial), com o objetivo de regulamentar o exercício das técnicas radiológicas no Brasil. Infelizmente, os anos se passaram e a proposta não teve andamento. Tanto que perdeu o objeto e acabou arquivada.

Mas não ficou por isso mesmo. Inconformado com a situação, o técnico em Radiologia Jair Pereira, “O Índio”, resolveu travar uma batalha em defesa da regulamentação. Na época, ele era presidente da Associação dos Técnicos em Radiologia do Estado de Goiás (Atrego) e vice-presidente da Federação das Associações dos Técnicos em Radiologia do Brasil (Fatreb).

Jair formou uma comissão de profissionais goianos e conduziu a elaboração de um substitutivo ao PL do deputado Gomes do Amaral. O texto foi aprovado pela categoria durante o V Congresso Brasileiro de Técnicos em Radiologia, realizado no Recife/PE, e depois oferecido ao Congresso Nacional. Depois de aprovado pelos deputados, seguiu para o Senado Federal.

Para sensibilizar a sociedade e as autoridades, Jair e seus amigos elaboraram a “Carta de Goiânia”, um documento que reivindicava o reconhecimento dos técnicos em Radiologia como profissionais, e não como meros operadores. Esse foi um instrumento importante para dar fôlego ao novo projeto.

Mas, se até aí Jair teve dificuldades, é por que mal sabia que no Senado se daria a verdadeira  saga do Índio. “Nosso projeto ficou mais de um ano dormindo na gaveta de um senador, que prefiro nem lembrar o nome. Certo dia, marcamos uma audiência com ele. Fomos eu, meu amigo Rubens Almeida e o companheiro Luis Ludovico, de São Paulo. Eles nos deixou por horas plantados, até que perdi a paciência. Invadi seu gabinete e comecei a bater boca, até que ele chamou os seguranças. Mas eu não saí, continuamos lá discutindo até o final”, conta.

O enfrentamento teve resultado. Depois desse episódio, em 1976, a relatoria do projeto foi redistribuída para o senador goiano Henrique Santillo, amigo de Jair, e as coisas começaram a andar.

Entre 1980 e 86, Jair Pereira foi de Goiânia a Brasília 68 vezes se reunir com autoridades para apressar o andamento da matéria. Segundo suas contas, entre outras viagens, rodou 35 mil quilômetros e gastou Cr$ 22 milhões (aproximadamente R$ 9 mil nos dias de hoje) do próprio bolso para manter o sonho vivo. Ele conseguia o dinheiro das viagens vendendo sucatas de filmes e fixadores.

Quando tudo parecia encaminhado para um final feliz, veio o susto. Numa das idas e vindas à secretaria geral do Senado, para ver o processo de regulamentação da profissão, Jair notou que haviam anexado um ofício da Confederação Nacional da Indústria (CNI) extremamente prejudicial à classe. A classe empresarial havia dado uma cartada pesada para colocar por terra todos os avanços que a categoria tinha conquistado. Diante da situação, o Índio não teve dúvidas, tentou comer o documento.  

“Eu olhava para aquele ofício e não acreditava, fiquei azul de raiva. Depois de tanto esforço, não podia aceitar que nossa proposta fosse alterada daquela forma. Foi aí que notei que o processo não era numerado. Num estalo, enquanto estávamos só eu, o Aristides e o Rubens na sala, ranquei a folha e comecei a mastigar. Como era grande demais para engolir, tirei da boca e escondi no bolso. Fiquei com fama de louco”, conta Jair Pereira.

Antes de votar a matéria, o Senado pediu parecer do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) sobre o projeto de lei. Para garantir a integridade da proposta, Jair resolveu ir à consultoria técnica jurídica do MTE saber qual seria o encaminhamento. Depois de apresentar seus argumentos, ouviu os doutores responderem que o posicionamento deles dependia do ministro Murilo Macedo e que não seria possível resolver naquela hora, pois ele estaria de saída para uma viagem. Em outra situação limite, Jair agiu por impulso de novo. Ao ver a autoridade de passagem, ele correu, o segurou pelos braços e disse “o senhor não vai sair sem nos atender, somos trabalhadores sofridos e estamos sufocados”. O ministro sorriu e ouviu a todos gentilmente.

Depois do parecer favorável do MTE, mais um episódio fora da curva serviu para acelerar o processo de regulamentação da profissão. Depois de torcer o tornozelo, Roseana Sarney, filha do então presidente da República José Sarney, foi encaminhada ao serviço médico do Senado Federal. O técnico em Radiologia Oity Moreira Rangel atendeu a ilustre paciente e contou a ela toda a história. No final, pediu a ela que conversasse com o pai sobre o assunto, pois era muito importante para milhares de trabalhadores. Roseana prometeu que o faria.

No dia 29 de outubro de 1985, foi sancionada a Lei 7.394, que regula o exercício de técnico em Radiologia. A norma foi efetivada pelo Decreto n.º 92.790, em 17 de junho de 1986.  

Em 4 de junho de 1987, foi instalado o Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (CONTER) e, imediatamente a seguir, os seis primeiros Conselhos Regionais de Técnicos em Radiologia (CRTRs): o da 1ª Região (Distrito Federal, Goiás, Pará, Amazonas, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amapá e Roraima), da 2ª (Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão), da 3ª (Minas Gerais e Espirito Santo), da 4ª (Rio de Janeiro), da 5ª (São Paulo) e da 6ª Região (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná).

Por causa do ativismo político que resultou na regulamentação da profissão, Jair conta que ele e seus amigos sofreram perseguição patronal, desemprego, frustrações e acumulam cicatrizes que permanecem até hoje. “O reconhecimento é pouco, me sinto esquecido. Mas não me arrependo, faria tudo de novo. Foram bons anos, ao lado de pessoas que valem a pena”, finaliza.